O embrião da papoila ágil e buliçosa
dá lugar à desolação erma e sarçal
na vigília das pálpebras
irremediavelmente a germinar
a mais impura tormenta
(entre parêntesis)
escrevo a noite
sem contrição num olhar profundo
o dia cauto mostra-me os sinais
do silêncio que há num grito
sinto o tacto suave em redor
da irregular escrita no vento
a chuva lava-me os sentidos
os ultrajes dissipam-se despedaçados
resiste o vestígio de nenhum gesto
cravado firme em toda a memória
à distância
O pseudo sentido de responsabilidade
Escuda-se na ambiguidade
Erradica a disponibilidade
Aperta o cinto de castidade
O simulacro inacabado no equilíbrio de um vislumbre
A tenacidade absoluta em suspenso está no mar inteiro
Um gigante ilimitado
de debilidade titânica
A dilação consuma-se imóvel
A dessintonia revela-se infesta
Viro costas à sombra impossível
e de súbito volto a ser eu
Assunção dúbia sem coesão molecular. De avultada lentidão.
A ambiguidade perdura e instala-se imprimidora. Liquefaz-se no vazio. Recreia-se na vacuidade.
Uma fuga, um falso sinal. O rasto bianual ímprobo e tortuoso.
Nem um ruído nos escombros... A imunidade disforme ábdita do exemplar.
Fatuidade deambulante osca. Já não amparo os limites desse rosto intangível.
A aquiescência da homocatalexia frui em resilição privada
A predicação melismática percute e volatiliza-se para lá do espelho
A beatitude imperativa condensa-se em senescência onírica
um silêncio estridente vindo do infinito
uma voz incauta soa no reduto desvalido
a lei da erosão desvenda um carácter novo
a reinvenção do fogo a quatro mãos
l’oiseau frappé par la foudre
couché sur la poussière
de la honte
à la répulsion
et
son
chant
oublie
toute
la
mémoire
du
monde
Cinco graus abaixo de zero. Uma pedra na mão. A mesma mão que escreve o que a alma dita. Longo longo é o caminho. Continuamente sombrio. Deito-me na terra imensa. Soturna. A dor toca fundo e crava-se no chão. O leito do meu infortúnio. Uma terra estranha onde se quer envelhecer.
Avisto o último fragmento onde só a noite sobrevive. O bilhete de regresso da viagem excelsa. Timidamente aconchego-me na areia desse deserto desmedido. Um deserto que não há. Que começa e acaba em mim. Uma casa nova. Minha. Desassombrada de rosas e doçura. Aberta ao vento. Um lugar esquivo. Onde o sonho foge da realidade. E se esvanece num átimo. De jeito impalpável.
A vertigem da intimidade. O êxodo da confiança. A evasão da cumplicidade. A vida justifica-se ao avesso das palavras. Mostra-se sem fantasia. A desilusão do rancor e da distância. A decadência trajada de ruína. O mundo submisso na penumbra do vazio. Comovo-me. Deixo muito de mim pelo caminho. Um assobio dilacerante ressoa na memória. Uma dor que arde e que vejo. Algo obscuro onde o silêncio não versa o silêncio.
Diz-me coisa nenhuma. Como destino traído pela morte.
abertura
um beijo. insondável noite iluminada. traço a elipse à mão. a composição de um porto de abrigo. o pirata apanhado em delito de paixão. uma louca ilusão. ergo o olhar com fulgor natural. o tempo suspenso. a fragilidade no aceno das bétulas. e das camélias. sentimentos absolutos com penas coloridas. no vórtice do tempo. em lagos de luz. as folhas juncam no retiro secreto. de idade transparente. de vários sabores.
tema e desenvolvimento
sei de cor o mar. primitivo. somente som à superfície. periódico. ao amplo passo do dia. e da noite. pouco a pouco mais dormente. aproximo-me serenamente da vastidão. mais um beijo. no limiar da fina película. um parto difícil. com duração variável. natura filantropa? ou esfinge petrificada? os gestos abstractos solitários. o ranger da porta resiliente. na preconização do nevoeiro.
coda
não sei se sinto. o meu coração impotente. esvai-se na sensibilidade. nas palavras. palavras gravadas de eufemismo. o relevo inacabado do hieróglifo. uma escrita ilegível. o eco das árvores nas palavras. outro beijo. duas flores despidas. em espiral. opção cromática no seio materno. não me recordo de ti. anseio subir ao rubro olhar. da primeira noite. de preferência no campo. ou numa esquina qualquer.
rocha fria
na sombra da dúvida
num fundo sem fundo
fecho o corpo
sem cálido sinal
na margem da brandura
em natureza variável
sentir é primeiro
nos atalhos da noite
ao zelo do tempo
vivo simplesmente
por ordem alfabética
deito-me cingido
na minha própria sombra
e as folhas imitam o vento
o sofrimento aos olhos do outro não fere
Tenho aprendido muito com o tempo cada vez mais escasso
Não recordo folhas secas nessa tarde de assomo vago
O que vivi de braços nus entre as pedras do teu jardim
Ondula em gestos nítidos e confunde-me os caminhos
Nos caudais onde o ar escasseia, o frio do medo tem pressa
Ressoam gritos de esperança imaginados em musgo verde
O eco na montanha acende o ledo tom da aragem
Uma rubrica sem portas no sentido de todas as noites
Infindável ironia o rasto no caminho de regresso
Com exactidão entrego o corpo escrito ao vento
Tristes dos que perdem o paladar da vida e a alegoria do sonho
Acendo a luz e leio o corpo adjacente ao acto das nuvens
E o relevo do destino sobrevive ao caminho das pedras
As áridas certezas habitam nas altas cumeadas
O sentido da vida na troca de marés insubmissas
Perpétuas
Onde não há sombra sem Luz
Tudo parece irreal no mundo inacabado.
Só a enorme tristeza é real. Melancólica. Uma angústia consternada. Autêntica. Insinua-se nua. Não desabita.
Entre dedos um colossal desespero. Secreto e lancinante.
Percorro veredas hostis suspensas de traição. Indistinguível. Ardendo ao frio. Fora do mapa. Não me procures que não me encontras.
Respiro no epicentro do turbilhão. Corto amarras e vagueio sem rumo. Desgovernado. Sucumbo às vagas azedas. Na violenta visão nocturna. Onde não passa ninguém. Nem sequer as crianças orfãs.
O pesadelo revela-se no teatro dos sonhos. Em campo. Sem contracampo. Telecomunicado em água fria. Gelada.
Qual apartação tecnológica!
Assolado por mãos outrora aveludadas. Da mais pura seda. Fina. Separas as ruas e as luzes esmorecem desguarnecidas.
Extinguem-se. Caprichosas. Declinam ao frívolo sabor do teu eu.
Um olhar turvo. Inabalável. Pessoal e intransmissível. Em passo sereno e incauto. Patológico. Onde a sensatez e o afecto não se falam.
Um epílogo de rosto longínquo. Sombrio. A anatomia de um logro. A elisão do ectoplasma. O desejo morto à nascença.
Sou árvore. Como tal considero as outras árvores.
Impugnado sou forçado a rasgar-te a máscara:
um ser dentro de outro ser.
Não te conheço.
Perco algo de mim pelo caminho
Sombras imóveis cercam-me aterradoras
Ninguém poderá calar a voz do infortúnio
A luz apaga-se sem explicação
Renuncio aos princípios da didática lição
Uma palestra inútil reiterada continuamente
(uma voz que aprendi mas eu não estava lá)
Quem disse que a vida é poesia?
Afinal no fim era o verbo
Não há palavras que alcancem o prelúdio tímido dessa vastidão
Creio nas palavras
palavras que acolhi, que adoptei
e acariciei
Creio nas palavras que venerei
e que agora troçam de mim
Lábios sem nome ao ritmo de uma viagem intangível
Prodigiosa a vida resiste aos dias lentos tímidos e alheios
Entre as árvores irrompe a doçura refém de um olhar longínquo
Vinda de algures uma voz fica na retina ardente do desejo
um cheiro miasmático
um aroma morbífico
um odor familiar
o perfume da insídia?
posso não saber o que sinto
mas sei o que não sinto
O abismo bate à porta. Nos teus lábios. O íntimo sentido dissipa-se em declive. A folha caduca desliza na distância. Como nuvem abandonada à avidez dos ventos. Outrora os passos que demos eram poesia. E tudo se reduz à cúpula sombria.
A melodia do destino. Dentro de cada noite.
É chegado finalmente o tempo. As noites nuas são imensas. Sonhos deambulam no fundo. Invento o que apreendi. A verdade em carne viva. Aconchego-me à presença humana. Sob a cúpula estelar. Possuo as estrelas. Reinvento o fogo. Pressentimento denso e ardente. Real é o campo de flores. Deslumbrado ao colo da mãe. Ardendo em impetuoso idioma. Balança a frágil hostilidade. Ruína que estremece e não reage. Não deixes que te conheça. O calor lépido da vida. O ânimo íngreme de um beijo. A água turva já não replica. Senda sufocada pela ausência. O peso nebuloso das fronteiras. Do riso exíguo que nos imita. A vida suspensa que me espera. Perco-me da realidade. Um espaço oco dentro de mim. Era uma vez uma fábula. A natureza do escorpião.
sofisticados precipícios
na distância da noite
como nos livros
enigma iterativo que oscila
entre pedras e melodias
luas cheias de som
sem que os passos me levem
indiferente à luz intraduzível
pergunto-me como amo
ainda
perdido
de repente
As folhas do tempo ilegível
um tempo que não recua
que nunca mais volta
Tempo a que chamo nostalgia
Tempo a que chamas ilusão
Um caminho inundado de luz...
de momentos irrepetíveis
(como nos sonhos)
Duração esquiva
Período ignoto
Prazo inefável
As nuvens ficam pelo caminho
assim fiéis ao destino
como branco o acto do amor
As ondas
A pele
A distância das noites
O tempo
dos dias que fogem
da morte que vem depois
Ainda creio no vento
Esperei o sorriso nos teus olhos
Neste silêncio perpétuo da solidão
Um gesto impalpável de dor
Na lentidão da indiferença sem nome
Fico suspenso na voz da minha infância
Ao regressar da longa viagem
Abraço o tempo que me resta
Ainda creio no vento
A prerrogativa assintomática reificada do imperativo categórico
implica a contrafacção idiossincrática contingente da razão