Monday, June 29, 2020

TODAS AS NOITES






Noite. 

A caminho de casa. Casa em que entro. E volto a ser criança. 
Onde a inocência espreita. E sou criança outra vez. 
Onde devaneio. Onde fantasio. E me protejo. 
Das intempéries e das tormentas. 
Do fogo. Da paixão.
Do bem e do mal.

O cabelo, a boca, os olhos acompanham-me. 
Os bolsos também. 
Trago o corpo. Sem peso. 
Sem nada querer em troca. 
Porque haveria de querer? 
O pensamento é só. 
Livre e disponível. Espontâneo.
Ilimitado como o céu.

Chego. Sento-me. No umbral. 
Acaricio as flores. Saboreio o pólen.
Respiro o ar envolvente. Periférico. 
Criado por um deus qualquer. 
Noite após noite. 
Todas as noites.

No firmamento uma estrela solitária
Diferente. Sem igual.
Em todo o meu céu. 

A minha estrela. Singular.
De todas as noites. Única. 
Desde o princípio. Desde a minha existência.
Tão longe e tão perto. 
Sensível.
Demasiadamente humana. 
Enigmática.

Trocamos impressões. 
Olhares. Sensações. 
Afectos. Pensamentos. 
Abraços. Todas as noites. 
Para além do bem e do mal. 
Prazeres. Mágoas. 
Lágrimas. Recordações.
Todas as noites. Inocentes. 
Em silêncio.

A inocência está para além das nuvens.
As nuvens são uma janela para o amor.
A minha estrela sente. Se não sentisse não me esperava. 
Todas as noites.

Se não estivesse lá, não era inocente.
E eu talvez não sentisse... 

Amar é sentir as estrelas. A inocência no sentir.
A minha estrela ama. Se não amasse não sentia.
E se não sentisse, não existia o amor.
Não há amor sem inocência.

A minha estrela está à minha espera todas as noites.
Desde o princípio dos tempos. No advento da noite.

Se eu for para casa à noite, eu sei que ela está lá.
Eu sei que ela está lá mesmo que eu não vá para casa à noite.







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