Tuesday, June 16, 2020

UMA VAGA, UMA ESTRELA. Quatro passos ao longo do tempo. Um encontro inesperado imponderável fortuito extemporâneo. Ou a tristeza dentro de mim. Só em mim.





I

A alvorada acordava plena de juventude.
O silêncio ressuscitava o pólen.
Resfolgava um ar transparente, diáfano como os deuses. 
O lírio inocente de sua brancura enxuta.
Um castanheiro silencioso sorria altivo.
O fresco aroma das árvores em afecto profundo. 
A resina fulgia lajes de fogo em brilho delicado.
As montanhas levantavam-se e exalavam brincos de jasmim. 
Uma fábula que tocava as pedras sem querer ser mais nada. 
Num idioma subtil contido em mim. Só em mim. 

II

Brancas são as palavras que não sabemos dizer. 
Despertadas pela solidão das nuvens, pelo luar dos bosques. 
A chama ateada pela neve nostálgica respira volúpia oculta. 
Ao vento, esvoaçam páginas frágeis de todas as estações. 
Como a elegia da mariposa que soa e passa devagar.
Uma barca desperta inocente na noite de jade. Minha. Só minha.

III

Os grandes relógios de silêncio votados ao esquecimento. 
A inércia dobra a esquina cingida ao canto do albatroz. 
Onde o nome do vento é arte maior. 
E a melancolia se afunda em lagos de outono. 
Os grandes rios nocturnos em êxtase jazem devagar. 
A crisálida em flor que respiro sobre as águas.
O longo suspiro do horizonte difuso, longínquo. 
Um testemunho tácito sem palavras numa noite minha. Tão minha... 

IV

Uma rota inclinada. O vento sopra dos confins. 
Em sentido derradeiro como a abóbada de um gesto. 
As mãos na primeira noite. 
Um, dois corpos cingidos. A janela aberta.
O mistério primitivo sem deixar rasto. 
A vaga hipnotizada pela estrela iluminada de candura.
O poema subitamente próximo do rosto. 
Nos cabelos lúbricos da falésia. Que habita em mim. 
Só em mim.

Em segredo. Entre os dedos.

Da minha vagarosa mão. 

1 comment:

  1. Não soubemos lidar com a Natureza! Sinto vergonha.

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