Saturday, June 6, 2020

MURMÚRIO






é mesmo assim quando avistamos o fim

relembro 
raras cumplicidades indissociáveis
como outrora recitava a lua enigmática
quando sustinha a respiração repleta de fulgência
como percepção cuidada de um verso sem tempo

os pontos cardeais da minha infância

e foi num dia casual tão só igual aos outros
que me perdi no som da escuta das veias
no silêncio que se fez sentir nas vísceras
no íntimo cristalino em forma de desilusão

um corpo vazio com asas de infortúnio
a pantera negra (de dor)
o ilusionista inábil
sem arte

apresso o passo na longa caminhada pelo bosque 
onde o luar irresistível tem um sabor triste
e a solidão nua segreda ao imo do abandono
onde a noite respira na curva dos meus ombros  

encaro o infinito e sirvo a derradeira ceia 
despeço-me da natureza apoteótica e sensata
a grande acompanhante de sonhos ébrios 
cúmplice de fantasias e delírios em azul

foste a minha razão de existir
sem dúvida
de ser
de ter sido
a quem chamei casa

celebro a tempestade
o vento
a chuva
os vales

perco o sal
as marés
as vagas
mar

o bálsamo da maresia
esse vaivém cativante 
sedutor 

a vida

peço licença
e marco a hora

desabito o apego 
e abandono o mundo

a hierofania do desejo
lugar inviolável

tocar o som
alcançar a luz

ao longo da enseada sou brindado 
pela liturgia das aves
pela confissão das rochas
pela doutrina das árvores

uma filosofia longínqua 
um alfabeto utópico e primitivo
qual música intangível!

o segredo ocultado nos confins da existência

os passos indecisos sugerem o fim da estrada
sem regresso

a perenidade é simples
genuína
imperturbável

verdadeira





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