Wednesday, September 30, 2020

DA LUZ E DA SOMBRA. UM ELOQUENTE SILÊNCIO.

 



Tenho aprendido muito com o tempo cada vez mais escasso

Não recordo folhas secas nessa tarde de assomo vago

O que vivi de braços nus entre as pedras do teu jardim

Ondula em gestos nítidos e confunde-me os caminhos



Nos caudais onde o ar escasseia, o frio do medo tem pressa 

Ressoam gritos de esperança imaginados em musgo verde

O eco na montanha acende o ledo tom da aragem

Uma rubrica sem portas no sentido de todas as noites



Infindável ironia o rasto no caminho de regresso

Com exactidão entrego o corpo escrito ao vento

Tristes dos que perdem o paladar da vida e a alegoria do sonho

Acendo a luz e leio o corpo adjacente ao acto das nuvens



E o relevo do destino sobrevive ao caminho das pedras  

As áridas certezas habitam nas altas cumeadas

O sentido da vida na troca de marés insubmissas

Perpétuas

Onde não há sombra sem Luz

Saturday, September 26, 2020

O ROSTO E A MÁSCARA


 





Tudo parece irreal no mundo inacabado.

Só a enorme tristeza é real. Melancólica. Uma angústia consternada. Autêntica. Insinua-se nua. Não desabita.

Entre dedos um colossal desespero. Secreto e lancinante.

Percorro veredas hostis suspensas de traição. Indistinguível. Ardendo ao frio. Fora do mapa. Não me procures que não me encontras.

Respiro no epicentro do turbilhão. Corto amarras e vagueio sem rumo. Desgovernado. Sucumbo às vagas azedas. Na violenta visão nocturna. Onde não passa ninguém. Nem sequer as crianças orfãs.


O pesadelo revela-se no teatro dos sonhos. Em campo. Sem contracampo. Telecomunicado em água fria. Gelada.

                                

Qual apartação tecnológica!


Assolado por mãos outrora aveludadas. Da mais pura seda. Fina. Separas as ruas e as luzes esmorecem desguarnecidas. 

Extinguem-se. Caprichosas. Declinam ao frívolo sabor do teu eu.  

Um olhar turvo. Inabalável. Pessoal e intransmissível. Em passo sereno e incauto. Patológico. Onde a sensatez e o afecto não se falam.

Um epílogo de rosto longínquo. Sombrio. A anatomia de um logro. A elisão do ectoplasma. O desejo morto à nascença.


Sou árvore. Como tal considero as outras árvores.


Impugnado sou forçado a rasgar-te a máscara:

um ser dentro de outro ser.

Não te conheço.






INFINITO

 



Duas coisas são infinitas

O universo e a desilusão

Em relação à desilusão já tenho a certeza

Absoluta

Friday, September 25, 2020

FIM DE ESTAÇÃO


 

Perco algo de mim pelo caminho


Sombras imóveis cercam-me aterradoras


Ninguém poderá calar a voz do infortúnio


A luz apaga-se sem explicação


Renuncio aos princípios da didática lição


Uma palestra inútil reiterada continuamente


(uma voz que aprendi mas eu não estava lá)


Quem disse que a vida é poesia?


Afinal no fim era o verbo



Não há palavras que alcancem o prelúdio tímido dessa vastidão

Thursday, September 24, 2020

CREIO NAS PALAVRAS

 


Creio nas palavras

palavras que acolhi, que adoptei 

e acariciei

Creio nas palavras que venerei

e que agora troçam de mim

Wednesday, September 23, 2020

IMAGINÁRIO

 



Lábios sem nome ao ritmo de uma viagem intangível 

Prodigiosa a vida resiste aos dias lentos tímidos e alheios

Entre as árvores irrompe a doçura refém de um olhar longínquo

Vinda de algures uma voz fica na retina ardente do desejo


Saturday, September 19, 2020

BREU



um cheiro miasmático

um aroma morbífico

um odor familiar


o perfume da insídia?


posso não saber o que sinto

mas sei o que não sinto


Friday, September 18, 2020

EM CONCLUSÃO

 



O abismo bate à porta. Nos teus lábios. O íntimo sentido dissipa-se em declive. A folha caduca desliza na distância. Como nuvem abandonada à avidez dos ventos. Outrora os passos que demos eram poesia. E tudo se reduz à cúpula sombria. 

A melodia do destino. Dentro de cada noite. 

Thursday, September 17, 2020

FÁBULA

 



É chegado finalmente o tempo. As noites nuas são imensas. Sonhos deambulam no fundo. Invento o que apreendi. A verdade em carne viva. Aconchego-me à presença humana. Sob a cúpula estelar. Possuo as estrelas. Reinvento o fogo. Pressentimento denso e ardente. Real é o campo de flores. Deslumbrado ao colo da mãe. Ardendo em impetuoso idioma. Balança a frágil hostilidade. Ruína que estremece e não reage. Não deixes que te conheça. O calor lépido da vida. O ânimo íngreme de um beijo. A água turva já não replica. Senda sufocada pela ausência. O peso nebuloso das fronteiras. Do riso exíguo que nos imita. A vida suspensa que me espera. Perco-me da realidade. Um espaço oco dentro de mim. Era uma vez uma fábula. A natureza do escorpião.


Saturday, September 12, 2020

AB IMO PECTORE

 



sofisticados precipícios

na distância da noite

como nos livros


enigma iterativo que oscila 

entre pedras e melodias

luas cheias de som


sem que os passos me levem

indiferente à luz intraduzível

pergunto-me como amo


ainda

perdido

de repente

Wednesday, September 9, 2020

RECOLHIMENTO




As folhas do tempo ilegível

um tempo que não recua

que nunca mais volta


Tempo a que chamo nostalgia

Tempo a que chamas ilusão


Um caminho inundado de luz...

de momentos irrepetíveis 

(como nos sonhos)


Duração esquiva

Período ignoto

Prazo inefável 


As nuvens ficam pelo caminho

assim fiéis ao destino

como branco o acto do amor


As ondas 

A pele 

A distância das noites


O tempo 

dos dias que fogem

da morte que vem depois



 

Saturday, September 5, 2020

ANÁTEMA

 



Ainda creio no vento

Esperei o sorriso nos teus olhos 

Neste silêncio perpétuo da solidão


Um gesto impalpável de dor

Na lentidão da indiferença sem nome

Fico suspenso na voz da minha infância


Ao regressar da longa viagem

Abraço o tempo que me resta

Ainda creio no vento